segunda-feira, janeiro 16

MO Pr 0º SA



1993. Maio. 19 anos. Agora que o 12º ano lectivo terminara, era tempo de estudar para as provas de acesso ao ensino superior. Primeiro, o bicho papão, a prova de aferição, que para alguem da área de humanisticas-vertente jornalismo/turismo, significava a dura tarefa de penetrar profundamente nos meandros de Kant, Hegel, Kierkegaard, Feuerbach, entre outros. Depois viriam as chamadas provas especificas, com mais uma prova de Filosofia, e uma outra de Português.
Para um aluno que "fechara" a cadeira de Filosofia de 12º com nota de 11 valores, as perspectivas não eram muito animadoras. Embora sempre me tivesse parecido que aquela professora me tinha entalado em algum sitio desde uma resposta torta a que a senhora se habilitara ao desconfiar que este seu aluno estava na posse de cábulas, não era "chavalo" para valer mais do que 14 valores. Mas o meu plano não era um qualquer.
Desde o 10º ano que tinha traçado o caminho de menor esforço para alcançar os bancos de faculdade. Se a fatia decisória com maior peso pertencia às provas de acesso ao ensino superior, iria guardar os meus esforços para essa altura, deixando que os outros se esfalfassem a lamber o rabo a professoras de meia idade à beira da menopausa. Sempre me irritou esta coisa tão Portuguesa de favorecer quem mais nos agrada, mas desde cedo me apercebi que se tratava de uma realidade incontornável. Concentrei-me, então, em limitar-me a ser produtivo, em exames nos quais os alunos não têm rosto, só número. O plano era perfeito, e encaixava que nem uma luva na minha personalidade estudantil e perfil social.
Encerrado em casa durante 15 dias, incontactável e incontactado, o meu cérebro não pensou noutra coisa senão nas diatribes metafisicas daqueles senhores, a maior parte deles Alemães, e gente que, na minha modesta opinião, dispunha de tempo a mais para ócio e "dolce far niente". O mesmo é dizer que levei aquilo muito a sério: depois de 3 anos lectivos a vegetar, era chegado o momento de dar o litro, e eu estava disposto a ir ao limite de concentração, esforço e sacrificio que a tarefa perante mim exigia.
No dia da prova de aferição acordei calmo e, como é normal, com a perfeita noção de não saber ponta de corno daquilo. Levei o manual de Kant, que revi na viagem de autocarro até à secundária da cidade universitária, e quando entrei na escola tive ainda tempo de me dirigir à papelaria para adquirir uma caneta. Durante anos vivi do empréstimo de canetas das colegas de turma mais aplicadas, sempre munidas de estojos fartos das mais variadas tipologias de esferográficas, lapiseiras ou canetas de feltro. Naquele dia não queria falar com ninguem, tal era o nível de concentração em que me encontrava, e preferi uma troca de grunhidos com a funcionária da papelaria, suficientes para levar a cabo o negócio da esferográfica.
A prova começou, e a cada pergunta fui respondendo o mais sucintamente possivel. Tinha impregnado nos meus valores que para cada pergunta só existe uma resposta, o que equivalia a dizer que palha não tinha lugar em nada que eu escrevesse. Mesmo num exame de Filosofia existe uma formula matemática, cujas variáveis devem ser encontradas, decifradas e esmifradas. Ao fim de uma hora de exame já meia sala tinha solicitado uma segunda e até, em alguns casos, uma terceira folha de exame, tal era a voracidade com que as palavras lhes saiam das canetas. Pela minha parte, chegou-me uma folha de exame, da qual faziam parte 4 ou 5 páginas, já não recordo ao certo. Muitas primaveras já lá vão, desde esse fatidico mês de Junho.
Quando terminei o exame, alguns minutos antes da maioria dos presentes, e bem antes de esgotado o tempo limite para a sua realização, saí calmamente e pude então trocar algumas palavras com colegas de turma. Uma, a Patricia, rapariga inteligentissima, com um fraquinho platónico por mim, a outra, a Susana, uma "ganda maluca" que se andava a habilitar a uns amassos nada platónicos já desde há uns tempos. Conversa pra cá, conversa pra lá, a Patricia não desamparava a loja para poder trocar telefones com a maluca, e pior do que isso, ameaçava uma cena de ciúmes mesmo ali no meio do pátio. Pelo que, decidi abandonar os pensamentos pecaminosos que a Susana "lábios grossos" me provocava, e "levei" a conversa para assuntos mais corriqueiros. Como por exemplo...as provas especificas.
Foi ali que tive conhecimento de que o prazo para inscrição nas referidas especificas terminava dali a uns minutos e que, para o acto de inscrição, eram precisos 7 mil escudos. Não só não possuía essa quantia, como não detinha, à data, cartão multibanco ou qualquer outro meio de pagamento. Para alem disso, a viagem da secundária à minha casa de então demorava, no minimo, 30 minutos. Ida e volta, uma hora. Game over. Caput. Finito. Acabou.
Nos dias seguintes tentei resolver a situação com uma ida à escola superior de Educação, em Benfica, mas deparei-me com mais uma daquelas funcionárias públicas (professora, mas que não dá aulas, e ninguem sabe bem o que é que faz para justificar o ordenadox14) na crise da meia idade. A todos os meus avanços para que me facilitasse a possibilidade de participar nas provas especificas respondeu com uma frieza e crueza que ainda hoje guardo no baú dos maiores rancores que alguem como eu pode ter para com outro ser humano.
Os 12 meses seguintes da minha vida viriam a revelar-se vazios e crueis, a juntar ao estado degradante e deprimente do mês trágico. Restava-me esperar pelas provas do ano seguinte, e o calvário foi tão grande ou tão pequeno que não mais esqueci esse malfadado mês de junho. O aspecto astrológico responsável por tamanho cataclismo interior e profissional chama-se MO Pr 0º SA, tem a duração de um mês (renovável a cada 30 anos), e jogadores como Polga, Ricardo e Beto foram as ultimas vitimas conhecidas desse flagelo. Polga em Maio 2005, quando alegou falta de condições psicológicas para jogar na ultima jornada da superliga. Ricardo, em Setembro 2005, quando foi afastado da equipa por falta de condições psicológicas. E Beto, em Janeiro 2006, alegando, tambem ele, falta de condições psicológicas para ser utilizado e que, por isso, pediu a sua não convocatória para o ultimo jogo que o Sporting realizou, no estádio do Restelo, frente ao Belenenses.
Pela parte que me toca, olho para esses tempos idos de 93/94 com amargura e tristeza, não só por me ter esquecido de uma tarefa tão básica quanto é a da inscrição em exames mas, acima de tudo, porque nunca mais pus os olhos em cima daquela gaja. Há comboios que só passam uma vez...
Ah! A nota da prova de aferição saiu em Julho 93, numa altura em que já sabia que não contaria para nada: 19 valores, a melhor nota da escola e, quiçá (deixem-me sonhar), do país. Marquei o golo do ano, mas o jogo não foi gravado. E aquela senhora, que se dizia professora de Filosofia e que, em tempos, havia abandonado a carreira de freira por uma súbita perda de fé, terá sentido a mão de Deus quando seus olhos deitou nas pautas da justiça definitiva.*
*isto estava para saír há muitos anos. Bendita catárse bloguista.

3 Comments:

Blogger galvao99 said...

2023!!!

Abraço, grande Pipo!

11:36 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Muito interessante... principalmente psicanalítico :D Mas ja agora que progressao é essa? "MO Pr 0º SA"?

12:55 da manhã  
Blogger galvao99 said...

Lua progredida em conjunçao a Saturno

3:31 da manhã  

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